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Ano 2 • n. 4 • jul/dez. • 2012
YuriAraújodeMatosdeSouza
ter mantido relacionamento amoroso anos antes. Por inércia do
advogado do investigado, a ação foi julgada procedente. Em grau
recursal, porém, a decisão foi anulada, ordenando-se a inclusão
do irmão gêmeo univitelino do então investigado no polo passivo
da relação processual, pois, segundo informações aferidas pelo
acórdão n° 1.0024.04.454521-8/001 (site do TJ-MG), a mãe da infante
demandante não tinha certeza de quem foi o seu companheiro, pois já
havia decorrido mais de uma década desde o nascimento da criança e
os irmãos possuíam, inclusive, nomes com grafias semelhantes, sem
mencionar a similaridade física.
Conforme o desembargador Nepomuceno Silva, relator do
acórdão que anulou a sentença do juízo
a quo
,
a
vexataquaestio
nãodizrespeito,simplesmente,àincorporação
de um suposto genitor no assento do registro de nascimento da
apelada. É muito mais que isto! Não pode o Judiciário apegar-se
exacerbadamente ao rigorismo procedimental, pena de prestigiar
a literalidade e o invólucro, em detrimento da essência e do
conteúdo, que envolvem direito fundamental, atinente à dignidade
da pessoa humana. Interpretar a lei é buscar o seu real sentido e
alcance, mediante adstrição ao contexto científico, social, cultural,
econômico, político, histórico e, obviamente, jurídico. Os textos
normativos exigem releitura compartilhada com os valores dos
novos tempos e com a hermenêutica constitucional, porquanto
a República constituída em Estado Democrático de Direito tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana
(CF, art. 1º, III). A presunção de paternidade, por exemplo, não
se prende a ficções, requerendo tratamento jurídico condizente
com essa nova realidade, providência que reclama nova ótica da
estrutura, base e efeitos das relações paterno-filiais. A natureza
da demanda, que envolve atributo imanente à dignidade da
pessoa humana, aliada às circunstâncias e elementos dos autos,
aconselha, face ao paradigma da conduta social, a anulação do
decisum
, a fim de permitir a ampla, justa e efetiva instrução do
feito. Pois, é absolutamente inaceitável o rigorismo da presunção
pater is est
, vez que ‘o aplicador da lei não deve se deixar limitar
pelo conteúdo que possa ser percebido da leitura literal e isolada
de uma certa regra legal, a ponto de negar sentido e valor’, pois
‘as decisões judiciais devem evoluir constantemente, referindo, é
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