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Ano 2 • n. 4 • jul/dez. • 2012
ClovisGorczevski
A filosofia política moderna, defende Lapierre, mesclou dois
mitos: um herdado da teologia escolástica, que buscava conciliar o
mito judaico-cristão do paraíso perdido e o outro greco-latino, onde os
homens passam do estado de natureza ao estado social graças a um
contrato. Não há mais personagens invencíveis ou heróis fundadores,
os autores do mito são homens anônimos.
Já no século XIX, assevera, outros três grandes pensadores
forjaram seus mitos: Marx, Nietzsche e Freud. O marxismo funda-se
em um mito de origem e em um mito escatológico que se mesclam
– a história humana inicia com o comunismo primitivo e se cumpre
no comunismo final de uma sociedade sem classes. Este duplo mito
legitima o poder do chefe de um partido revolucionário considerando
que representa a classe social investida na missão histórica de
realizar a última revolução: o proletariado. Nietzsche resgata o mito
antigo do Eterno Retorno e anunciando a morte de Deus, fundamenta
a legitimidade na vontade de onipotência de uma elite encarregada de
edificar a morada ao sobre-humano para preparar a vinda à Terra dos
animais e das plantas e por isso mesmo seu próprio declínio. Por sua
vez, Freud fundamenta sobre o mito da morte do pai na horda primitiva
o vínculo político de não agressão entre os homens e a legitimidade
de todo poder que fortalece este vínculo, reprimindo a agressividade
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.
Importante destacar que a tese sustentada por Lapierre, de que o
fundamento da legitimidade do poder é sempre místico ou legendário e
que surge do imaginário social, não significa afastar de plano a moral,
apenas que ela não participa, no primeiro momento, da formação do
mito. A moral surgirá em ato contínuo e é ela que vai exigir da política
que os poderes instituídos que legislam, governam e julgam sejam
justos. É nesta linha que surge a derradeira questão: Para legitimar
um poder eficazmente justo, não seria melhor renunciar os mitos e
voltar-se para a razão? Alguns pretenderam responder a Lapierre.
Na história da França, ocorreu uma vez, quando se instituiu a razão
para legitimar um poder político; foi quando a guilhotina funcionou
ininterruptamente.
Seguindo essa reta linha, Lapierre vai além em sua análise:
a crise atual da política é uma crise de legitimidade, sim, uma
62 Idem. p. 35.
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