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Coma palavra, o Associado
ANO 03 – Nº 03 – OUTUBRO DE 2014
do que ele. Clóvis era um garoto de 11
a 12 anos, e a classe era composta, em
grande parte, de rapazes já de certa
idade, sendo estes, como se havia
de esperar, os melhores do Curso.
Todavia, Clóvis não se deixa abater
e, para os moços examinadores, ele
ficou tido como o “de espírito mais
sagaz e inteligência mais viva”.
Uma noite sua mãe nos visitou. Pediu-
nos que lhe mandasse o filho um
poucomais cedo, trazia consigo outro
garoto, tímido e sorridente. Depois
dessa visita alguém me narrou a
desventura daquela mulher. Omarido,
dado à bebedeira e outros vícios, havia
abandonado o lar. A pobre mãe viu-
se forçada a lutar por si e pelos seus
rebentos. Fez de Clóvis um aprendiz
de sapateiro. Com isto ele obtinha um
ganho semanal de Cr$. 6,00, embora
não saindo do Grupo Escolar. Ele tinha
outras ocupações que lhe rendiam
o suficiente para, com parcimônia,
alimentar a família. Pouco depois, o
caridoso sapateiro que o empregara
foi forçado a fechar a oficina e, ainda
mais, a infeliz mulher perde muitas de
suas pequenas fontes de renda. A fome
entra para reinar naquele lar. Clóvis,
contudo, não abandona a escola e,
ainda, ingressa no nosso curso de
admissão noturno. No grupo escolar,
vai às aulas sem nenhum alimento:
resiste bravamente, a princípio. Mais
tarde, sua resistência vai diminuindo.
Tem síncopes. Desfalece de fome.
Todavia o pequeno continua, com sua
inteligência, a satisfazer, assiduamente,
em ambas as escolas, sua sede do
saber.
Clóvis é, hoje, para mim, um raro
exemplo de força de vontade e
tenacidade. Em minhas horas de
desânimo, ponho-me a pensar nesse
miúdo garoto. Sua pequena figura
aparece-me
irrequieta,
dizendo
palavras em inglês, catadas aqui e
ali, por seu atento espírito, ou então
a martelar um velho sapato, numa
pobre oficina, mas sempre com
seu pálido e sorridente rostinho,
a sua roupa modesta e quase que
diariamente a mesma, demonstrando
que as vicissitudes da vida, a fome e o
sofrimento não têm forças suficientes
para deter a vontade do homem
quando aspira a um nobre e belo
ideal!”.
Histórias como essa do Clovis que
acabo de reproduzir reafirmam o
propósito de FELIPE TIAGO GOMES
ao criar a instituição que, hoje, com
seus 70 anos de existência, vive uma
realidade diferente dos anos quarenta,
agora liderada pelo ex-aluno e
Deputado
Federal
ALEXANDRE
SANTOS. Certo é que não mais
vivemos tamanhas dificuldades. Mas
Alexandre e seus companheiros não
esquecem as origens da CNEC e, nas
oportunidades dos novos caminhos,
sempre lembram e divulgam palavras
do mestre Felipe Tiago Gomes:
“Os fundadores da Campanha não
tiveram dinheiro fácil para estudar.
Alguns passaram fome para fazer seu
curso ginasial. Outros só compravam
um par de sapatos quando os velhos,
de tão estragados, não podiam mais
ser usados. E se revoltavam ao ver
tantos jovens desejosos de outros
horizontes culturais e proibidos de
alcançá-los por falta de recursos!
Filósofos, sociólogos e outros homens
de cultura afirmavam não ser justa tão
tremenda desigualdade: os filhos dos
ricos podiam libertar-se da ignorância;
os pobres estavam condenados a
permanecer na infraestrutura social.
Eram os párias sociais, que apenas
tinham o direito, quando possuidores
do curso primário, de fazer as
contas dos donos de botequins e
armazéns, passar o jogo do bicho
e votar nos chefes políticos, como
eleitores de cabresto. Estávamos em
plena Segunda Grande Guerra. Os
estudantes gritavam por liberdade,
aproveitando comícios contra a
Alemanha, o Japão e a Itália. O Recife,
às escuras, por medidas de segurança,
era a cidade que mais sofria as
consequências da ditadura. Aqueles
jovens presenciavam o choque de
ideias e também deles participavam.
Mas, da angústia que martirizava o
grupo, uma luz de esperança foi acesa.
Que adiantava a libertação do mundo,
se o Brasil continuava escravo? Daí
a resolução daqueles moços em
busca de uma liberdade, que não
brotasse de trincheiras materiais, mas
do funcionamento de milhares de
escolas.”.
Antônio Joaquim Coelho da Cunha
Associado Representativo da CNEC/
RJ