Palavra doMestre
76
• ANO 04 • nº 01 • MARÇO de 2015
Desenvolvendo uma série de entrevistas
e, em certa maneira, uma
etnografia
do
desvio, uma vez que conviveu comgru-
pos desviantes (notadamente o usuário
de maconha e o músico de casa notur-
na), Becker pretende estabelecer como
se estrutura a carreira desviante, tirando
daí uma interessante conclusão: bas-
ta não concordar com a regra imposta
para deixar de fazer parte do grupo so-
cial. De suas observações, não é difícil
concluir que qualquer comportamento,
ainda que minimamente inadequado,
poderá acarretar umdesvio. A partir des-
sas premissas, instou-se aos acadêmicos
daDisciplinadeDireitoPenal II, a títulode
Atividade Prática Supervisionada (APS),
que produzissem um vídeo documental
(documentário) em que se questionasse
quemé o sujeitodesviante emnossa so-
ciedade (local) atualmente (tempo).
Para tanto, desenvolveu-se o traba-
lho em quatro etapas: (1) a primeira
estava atrelada à leitura e à compre-
ensão do texto e, posteriormente,
à elaboração de um argumento, ou
seja, ao desenvolvimento de uma
1
Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), professor das disciplinas de Direito Penal,
Direito Processual Penal e Prática de Processo Penal no Cento de Ensino Superior Cenecista de Farroupilha/RS – CESF.
2
BECKER, Howard.
Outsiders
: estudos de sociologia do desvio. Trad. Maria Luiza X de Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
3
Cf. BECKER, Howard.
Outsiders
, p. 15.
ideia que exprimisse não só a temá-
tica abordada em
Outsiders
, como
também a contextualização dessa
temática em nossa região nos dias de
hoje. Após o desenvolvimento desse
argumento, (2) os grupos redigiram
roteiros de filmagem para esboçarem
como pretendiam ilustrar suas ideias,
as quais culminaram em um (3) filme,
ou seja, os resultados da pesquisa, e
em um (4)
banner
, isto é, o resumo
dessa mesma pesquisa. Esse projeto
mobilizou a turma desde o primeiro
dia de aula, culminando na exibição
dos filmes e
banners
ao final do se-
mestre (e da disciplina).
A liberdade possibilitada pelo texto e
seus contextos permitiu que os tra-
balhos seguissem o limite da criativi-
dade de cada grupo. Dentre os temas
escolhidos, os estudantes abordaram
a questão do uso de drogas (e aqui a
visão da sociedade, do senso comum,
dos usuários e das unidades de trata-
mento), a prostituição (principalmen-
te pela visão do “grupo desviante” das
prostitutas), as religiões (e visão que
cada grupo religioso possui dos de-
mais) e as modificações corporais (en-
trevistando o “grupo desviante” – pes-
soas “modificadas” por tatuagens ou
piercings
– e professores e capturando
a percepção da sociedade com rela-
ção a essas modificações).
Com essa APS, abriu-se a possibili-
dade para os acadêmicos pensarem
além da disciplina isolada (o Direito
Penal, a Dogmática Penal), permi-
tindo algum grau de interdisciplina-
ridade com aspectos da sociologia
e, da mesma forma, permitiu-se que
o conhecimento teórico fosse posto
à prova na atividade prática propos-
ta. Evidentemente que, pela inova-
ção da APS, inicialmente se verificou
certa desconfiança do grupo de es-
tudantes, contudo, a culminação do
trabalho ao serem exibidos os filmes
provou que a prática foi bem aceita.
Enfim, todos os méritos são devidos
aos acadêmicos que, vencendo o pre-
conceito inicial, acabaram por abraçar
esse lado
outsider
da academia.