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Língua Portuguesa
Gêneros e o cotidiano jornalístico
VAMOS ACABAR COM ESTA FOLGA
O negócio aconteceu num café. Tinha
uma porção de sujeitos, sentados nesse café,
tomando umas e outras. Havia brasileiros,
portugueses, franceses, argelinos, alemães, o
diabo.
De repente, um alemão forte pra cachorro
levantou e gritou que não via homem pra ele ali
dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela
provocação e logo um turco, tão forte como o
alemão, levantou-se de lá e perguntou:
— Isso é comigo?
—Pode ser com você também— respondeu
o alemão.
Aí então o turco avançou para o alemão e
levou uma traulitada tão segura que caiu no
chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia
homem ali dentro pra ele. Queimou-se então
um português que era maior ainda do que o
turco. Queimou-se e não conversou.
Partiu para cima do alemão e não teve outra
sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e
caiu sem sentidos.
O alemão limpou as mãos, deu mais um
gole no chope e fez ver aos presentes que o
que dizia era certo. Não havia homem para ele
ali naquele café. Levantou-se então um inglês
troncudo pra cachorro e também entrou bem. E
depois do inglês foi a vez de um francês, depois
de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto
do café levantou-se um brasileiro magrinho,
cheio de picardia para perguntar, como os
outros:
— Isso é comigo?
O alemão voltou a dizer que podia ser. Então
o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e
veio vindo gingando assim pro lado do alemão.
Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O
alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com
tanta força que quase desmonta o brasileiro.
Como, minha senhora? Qual é o fim da
história? Pois a história termina aí, madame.
Termina aí que é pros brasileiros perderem
essa mania de pisar macio e pensar que são
mais malandros do que os outros.
Stanislaw Ponte Preta
NOGUEIRA, Armando et al.
O Melhor da Crônica Brasileira
1
.
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1997.
Saiba mais
Sérgio Marcos Rangel Porto nasceu no Rio
de Janeiro em 11 de janeiro de 1923, em pleno
verão. Ficou famoso sob o pseudônimo Stanislaw
Ponte Preta. Exímio cronista, Ponte Preta é
elogiado principalmente pelos textos em que a
disposição de desfazer o sentido de uma palavra
ou de uma situação não ocorre apenas no final
da narrativa, mas atinge toda a sua estrutura. Em
outras palavras, a partir de pistas falsas, o enredo é
conduzido a um final que não ocorre, como se dá
em
O milagre
(
reproduzido a seguir) e em
Vamos
acabar com essa folga
(anteriormente apresentado).
Vale a pena conferir os inúmeros livros desse autor.
Exercícios propostos
Leia atentamente este texto para responder
às questões de
8
a
14
.
O MILAGRE
Naquela pequena cidade as romarias
começaram quando correu o boato do milagre.
É sempre assim. Começa com um simples
boato, mas logo o povo – sofredor, coitadinho,
e pronto a acreditar em algo capaz de minorar
sua perene chateação – passa a torcer para
que o boato se transforme numa realidade,
para poder fazer do milagre sua esperança.
Dizia-se que ali vivera um vigário muito
piedoso, homem bom, tranquilo, amigo da
gente simples, que fora em vida um misto de
sacerdote, conselheiro, médico, financiador
dos necessitados e até advogado dos pobres,
nas suas eternas questões com os poderosos.
Fora, enfim, um sacerdote na expressão do
termo: fizera de sua vida um apostolado.
Um dia o vigário morreu. Ficou a saudade
morando com a gente do lugar. E era em
sinal de reconhecimento que conservavam o
quarto onde ele vivera, tal qual o deixara. Era
um quartinho modesto, atrás da venda. Um
catre (porque em histórias assim a cama do
personagem chama-se catre), uma cadeira, um
armário tosco, alguns livros. O quarto do vigário
ficou sendo uma espécie de monumento à sua
memória, já que a Prefeitura não tinha verba
para erguer sua estátua.
E foi quando um dia... ou melhor, uma noite
deu-se o milagre. No quarto dos fundos da
venda, no quarto que fora do padre, na mesma
hora em que o padre costumava acender uma
vela para ler seu breviário, apareceu uma vela
acesa.
— Milagre!!! — quiseram todos.
E milagre ficou sendo, porque uma senhora
que tinha o filho doente logo se ajoelhou do
lado de fora do quarto, junto à janela, e pediu
pela criança. Ao chegar em casa, depois do
pedido — conta-se — a senhora encontrou o
filho brincando, fagueiro.
— Milagre!!! — repetiram todos. E o grito
de “Milagre!!!” reboou por sobre montes e rios,
vales e florestas, indo soar no ouvido de outras